Primeira fotografia do touro Tabapuã T-0, em março de 1943.

Dr. Alberto Ortenblad, que como vimos nos tópicos anteriores era um apaixonado por pesquisa aplicada, não se importando com retorno financeiro rápido, e muito menos deixava-se abater caso algum projeto viesse a demandar décadas para ser concluído. É emblemático que, já aos 80 anos de idade, tenha implantado reflorestamentos com essências florestais nativas, cuja maturação levaria quase 100 anos para se efetivar. Concluiu então que precisava estudargenética, matéria da qual tinha conhecimento apenas superficial, para ter embasamento técnico e científico no sistema de acasalamento a ser adotado, e em relação ao programa de aferição de resultados obtidos, fossem positivos ou não. Dois caminhos se abriam, lastreados basicamente em estudos dos geneticistas José da Costa Guerra e Ronald A. Fisher: O “sib mating” que é o acasalamento entre irmãos e primos, mais utilizado em espécies com muitas crias por vez, e o“in and in breeding”, de acasalamentos sucessivos paternos, de filhas e netas com o próprio pai e avô. No primeiro sistema, a consanguinidade se dissiparia com maior rapidez, mas determinaria maiores dificuldades de aferição dos resultados, ao mesmo tempo em que retardaria a obtenção do objetivo primordial: tender para futuras gerações homozigotas. O segundo caminho foi assim o escolhido e, mais de meio século depois, ainda é utilizado na Fazenda Água Milagrosa com excelentes resultados. Porém, para que o sistema de “in and in breeding” tivesse sucesso, havia ainda uma indagação a ser respondida, pois o que se tentava era formar uma raça partindo apenas de um animal:teria o touro Tabapuã T-0 “predomínio hereditário”? A transmissão genética unilateral é uma lei privativa de certos indivíduos que são dotados do que se chama em zootecnia de “potência hereditária individual”. Por esta lei, os animais dotados desta potência hereditária individual transmitem seus próprios caracteres com PREDOMÍNIO sobre os atributos de sua parelha sexual e os de sua família. Estes indivíduos, ensina Costa Guerra, “são os RAÇADORES CLÁSSICOS ou GRANDES RAÇADORES capazes de, por si só e pela sua exclusiva organização individual, melhorar a família e se CONSTITUÍREM EM FUNDADORES DE TRONCOS DE RAÇA”. Este era o teste ao qual o touro Tabapuã T-0 teria de ser submetido. Se não passasse neste teste, ou seja, se não comprovasse, sem sombra de dúvida ter “potência hereditária individual” e “predomínio hereditário”, todo o projeto estaria inviabilizado. Como veremos, o Tabapuã T-0 provou inquestionavelmente merecer a classificação mais alta, a de GRANDE RAÇADOR.
Foto Nº 16

Como seleção é uma tarefa impiedosa, onde não devem entrar fatores subjetivos e muito menos orgulho pessoal, o sistema adotado de “in and in breeding” (acasalamento em linha reta) não permitia a utilização dos machos de primeira geração. Por melhores que fossem, eram sistematicamente castrados e vendidos para corte. A primeira geração foi, assim, composta apenas de fêmeas, filhas do touro Tabapuã T-0 com vacas semelhantes a ele, porém com chifre. Esta primeira geração de fêmeas era bastante uniforme, com bom desenvolvimento, e com alto percentual de mochas perfeitas. A segunda geração (filhos-netos e filhas-netas do T-0) tornou-se de grande importância, pois nela encontrou-se animais de excelente qualidade, como outros recessivos, que foram descartados. Todos os dados de performance eram anotados nas fichas, assim como a ainda incipiente genealogia. Dizemos dados de performance pois desde o início anotava-se pesos ao nascer, na desmama e, sucessivamente, até 24 meses de idade, tanto para os machos quanto para as fêmeas. A partir desta segunda geração, foram mantidas as melhores vacas de chifre e as mais perfeitas filhas do T-0. As vacas de chifre foram eliminadas totalmente a partir da terceira geração. Cumpre notar que, quando da existência da segunda geração, Dr. Alberto Ortenblad já tinha conhecimento completo dos animais que a compunham, mas não tinha ainda a menor previsão quanto ao resultado da introdução dos novos touros - os filhos-netos. Por isto, de início formou-se famílias distintas, até que existissem dados conclusivos. Os efeitos depressivos de consanguinidade, temidos por todo criador, não foram observados no caso da formação da raça Tabapuã. Disto resultou o abandono de famílias separadas, passando o plantel a formar um só conjunto, em que cada filho-neto era destinado a um determinado lote de fêmeas.
Foto Nº 17

Foto Nº 18

De todos os filhos-netos escolhidos para monta natural, sobressaiu pela progênie o touro Horizonte T-135, filho do Tabapuã T-0 e de sua primeira e melhor filha, Copa T-1. O touro Horizonte T-135 nasceu em 23/01/1952, e os primeiros filhos dele começaram a nascer no final de 1955, só sendo passíveis de julgamento preciso quanto ao potencial genético paterno por volta de 1957. Considerando-se que o touro Tabapuã T-0 iniciou seus acasalamentos no final de 1942, foram necessários precisamente 15 anos para se ter certeza dos resultados, embora fossem, desde o inicio, promissores. Se o touro Tabapuã T-0 foi o genearca da raça, Horizonte T-135 foi o seu grande raçador, e dele até hoje descendem os melhores animais da raça. Neste ponto é necessário falar um pouco do tipo de seleção que, nas décadas de 40 e 50, imprimia-se no Brasil às raças zebuínas originárias da Índia. Prevalecia o cromismo. Os animais das raças indianas eram classificados, selecionados e valorizados quase apenas por minúcias de padrões raciais, raramente por eficiência e performance. O grupamento genético que constituía o plantel da Água Milagrosa era, naquela época, apenas um promissor rebanho de mestiços. Não havia registro genealógico e não podiam participar de exposições. O rebanho da Água Milagrosa não tinha portanto, para a imensa maioria dos criadores, outro valor que não o de corte. E era justo que assim fosse. Antes que um grupamento genético possa vir a ser considerado como raça, é imprescindível que tenha de comprovar méritos para tal. Esta foi a nossa sorte, pois se as demais raças zebuínas clássicas estavam engessadas por detalhes que nada tinham de funcional ou econômico, o mesmo não ocorria com aquele rebanho de “mestiços”. Estávamos livres para subordinar características “raciais” àquilo que realmente interessa: fertilidade, prepotência genética, habilidade materna, rusticidade e precocidade (terminação de carcaça rápida). E assim foi desde o início. As características raciais foram sendo ajustadas à funcionalidade econômica de indivíduos e do rebanho. Isto não quer dizer que não se tinha em mente a necessidade de uniformização racial - muito ao contrário, a raça Tabapuã é extremamente uniforme racialmente. O primordial era produzir animais que dessem lucro e, para tal, teriam de ser extremamente eficientes. Se não o fossem, aliás, o Tabapuã jamais teria se tornado uma RAÇA, pois a mera uniformização fenotípica é apenas uma condição necessária, mas não suficiente. O teste de eficiência (e prepotência genética) é o essencial. E entre a oficialização provisória, em 1971, e a definitiva, em 1981, poucas raças foram tão testadas e tão exigidas como a Tabapuã. Mas voltemos à formação das primeiras gerações do rebanho da Água Milagrosa. Como se pode imaginar pelo que foi dito até agora, o plantel, já com algumas centenas de animais, não tinha valor comercial. A sua seleção mantida por Dr. Alberto Ortenblad, e por seu irmão mais velho, Dr. Rodolpho Ortenblad,praticamente não tinha retorno financeiro. Era comum os irmãos doarem reprodutores a amigos, para que “experimentassem”. Curiosamente, a primeira venda de vulto foi realizada para um criador argentino, Dr. Alfredo Duilsberg, em 1959. Aliás, a Argentina foi o primeiro país estrangeiro a reconhecer oficialmente a Tabapuã como raça, em 1974. Da terceira geração em diante, já tendo sido testados e aprovados diversos filhos-netos e filhos-bisnetos do T-0, a seleção pôde prosseguir com maior segurança, mantendo-se os mesmos e rígidos critérios, sempre focados em características econômicas e carga genética. Na passagem da segunda para a terceira geração, em 1954, os irmãos Alberto e Rodolpho separaram-se, como mencionado nos primeiros tópicos deste “site”, ficando Alberto Ortenblad com a Fazenda Água Milagrosa, Tabapuã,SP, e Rodolpho com a Fazenda Santa Cecília, Uchôa, SP, também tradicional selecionadora da raça. Um adendo: hoje a Fazenda Água Milagrosa está já na 10ª para a 11ª geração, com um rebanho quase exclusivamente fechado. Havia, em meados da década de 50, grande curiosidade com o que se chamava de “zebu mocho”, mas continuávamos excluídos de exposições e de provas de ganho de peso. Muito devemos ao Dr. João Barisson Villares, então Diretor do Departamento da Produção Animal da Secretaria da Agricultura do estado de São Paulo, técnico extremamente competente e provido de espírito aberto a novidades, desde que embasadas em dados convincentes. O Dr. Barisson Villares, em 1961 e após três longos anos de contatos, permitiu, apenas a nível estadual, que animais “zebu mocho” fossem admitidos em exposições, estabelecendo para tal o primeiro padrão racial do que viria a ser a raça Tabapuã, criando inclusive um “registro genealógico”, válido apenas no estado de São Paulo, cujo símbolo era um ícone de quilo (K).
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E, mais importante ainda, passamos a ter acesso a provas de ganho de peso oficiais, que era tudo o que desejávamos para poder demonstrar o valor do grupamento genético. Em decorrência de normativas oficiais, o “Mocho Tabapuã” da Fazenda Água Milagrosa, a partir de 1961, passou a ter posição de convívio com as demais raças, mas ainda apenas dentro do estado de São Paulo. E foram realmente as PROVAS DE GANHO DE PESO oficiais, realizadas em Barretos, SP, que deram grande impulso ao Tabapuã. De 1961 a 1965, foram realizadas cinco provas de ganho de peso, nas quais os animais da Água Milagrosavenceram em quatro anos (1961, 1962, 1963 e 1965), sendo que o Nelore venceu em 1964. A partir de 1.965 estas provas foram interrompidas, mas o que queríamos demonstrar já estava realizado. Abaixo, os resultados das provas de 61, 62 e 63 (deixamos de apresentar as de 64 e 65 por terem apenas a participação de três criadores, sendo portanto inexpressivas).
PROVA de GANHO de PESO de BARRETOS
(Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo)
GRUPO DE MACHOS 1961
GRUPO DE MACHOS 1962
Lote Nº
6 animais |
RAÇA |
GANHO MÁXIMO - KGS. |
|
Individual |
Do Lote |
||
1 |
Nelore |
73 |
394 |
2 |
Nelore |
116 |
582 |
3 |
Nelore |
118 |
560 |
4 |
Nelore |
109 |
539 |
5 |
Tabapuã |
137 |
610 |
6 |
Gir |
95 |
453 |
7 |
Gir |
88 |
407 |
8 |
Gir |
88 |
426 |
9 |
Gir |
103 |
476 |
Lote Nº
6 animais |
RAÇA |
GANHO MÁXIMO - KGS. |
|
Individual |
Do Lote |
||
1 |
Gir |
107 |
508 |
2 |
Gir |
113 |
608 |
3 |
Gir |
109 |
507 |
4 |
Gir |
122 |
671 |
5 |
Gir |
112 |
560 |
6 |
Gir |
115 |
580 |
7 |
Tabapuã |
156 |
844 |
8 |
Tabapuã |
142 |
739 |
9 |
Nelore |
153 |
621 |
10 |
Nelore |
128 |
698 |
11 |
Nelore |
115 |
633 |
GRUPO DE MACHOS 1963
Lote Nº 6 animais | RAÇA | GANHO MÁXIMO - KGS. | |
Individual | Do Lote | ||
1 | Nelore | 133 | 630 |
2 | Nelore | 129 | 609 |
3 | Nelore | 120 | 673 |
4 | Nelore | 110 | 588 |
5 | Nelore | 128 | 653 |
6 | Nelore | 131 | 364 |
7 | Tabapuã | 147 | 694 |
8 | Gir | 92 | 473 |
Foto nº 20

Foto Nº 21

Gráfico de pesagens de machos e fêmeas no CDP (Controle de Desenvolvimento Ponderal).

Foto nº 22
